segunda-feira, 30 de março de 2009

Hino a Marte

[pelo aniversário do Fabiano, no último domingo de março]

Ouçam-me
Protetores da humanidade,
Provedores da doce coragem da juventude.
Lancem seu brilho,
Sua luz suave
Sobre nossas vidas .
E seu poder marcial,
Para que eu possa dissipar
O medo
Da minha mente
E diminuir essa agitação enganosa
Do meu espírito, e dominar
Essa voz pungente do meu coração
Que me incita
A penetrar o tumulto arrepiante da batalha.
Tu, afortunado deus,
Dá-me coragem
Para permanecer nas leis seguras da paz
E assim escapar
De batalhas com inimigos
E da sina da morte violenta.
Tu, amada deusa,
Toma a minha alma
Gravando nela
A imagem da minha vida.


[Denise, de um anexo num livro de mitologia]

sábado, 28 de março de 2009

Resíduos IX

A última vez que recebi notícias suas meu caro amigo, foi num passar de noite para madrugada, reunidos estavamos eu e mais uns...  seu postal chegou a mim como um abraço daqueles longos e gentis de outrora.
de pronto lembrei-me da noite em que nos conhecemos, eu perdido num meio fio qualquer de Havana, frente a um qualquer prédio desbotado, eu ainda soluçava...
Seus passos firmes fizeram com que eu erguesse os olhos.  Você parou e ficou a observar, lembro bem, eram 06:51...  Não chores menino pois, "não dorme ninguém" pelo mundo. suspirei com a afirmação e ergui a cabeça, surpreso contemplei seu breve sorriso. Mal sabia o significado...
Nas noites sufocantes do calor cubano, aprendi com a fumaça das nossas 'tavernas'. Mesclando suas risadas ao tilintar do piano. E meus olhos tão juvenis jamais desgrudaram dos seus doces ensinamentos.  
E sua letra de emboscada, manchava o papel com a seguinte sentença, lembre-se dos cães, apenas eles cessarão as suas lágrimas. 
Saudades niño...
Saudades rubro García...


[Elaine ao amigo Lorca, após desaguar com o poema Cidade sem sonho ]

quarta-feira, 25 de março de 2009

Resíduos VIII Conversa com Lorca (e Fabiano)


Coloca-me,
como sinete sobre teu coração
como sinete em teu braço.
Pois o amor é forte, é como a morte
[i].

Durante o silêncio da escrita, deixa-se acompanhar
pelas vastidões de Mozart, pelas lentidões de Mahler.
(A música não deve morrer, vai perdurar além do fim do mundo!)
Depois de 7 anos, desliga o toca-discos e
abrem-se as comportas de um dique.
Uma linguagem alegórica, contundente,
investiga o enigma, o fundo do poço:
a mulher quer perfurar
o mistério divino que limita a escrita.
Não se transformam os temas,
expandem-se, entretanto,
por sua duração no tempo.
(Dentro do círculo/Faço-me extensa/
Procuro o centro/me distendendo
[ii].)
A plena comunhão erótica culmina
na imagem hierogâmica, de sacerdotisa
cumprindo ritual: a Mulher conta ao
Homem a verdade da experiência amorosa.
(Olhei-me a mim, como se tu me olhasses[iii].)
A mulher, durável refúgio, quer despertar
para o encontro, o movimento escorregadio do homem.
Permanência e fluidez = mulher—poeta.
Do Amor caminha para a Morte, e
anula falsas distâncias ao tocar
com ousada intimidade a poderosa figura,
participante indispensável da Vida.
(Te sei/ com a boca viva/ provei/
Em vida, morte, te sei/ Juntas. Tu e eu
[iv].)
Aproxima-se dela o tempo em que os frutos
do sagrado serão recolhidos: enquanto isso,
são as centelhas dessa luz encoberta
na poesia, nas palavras.
Não interrompe a procura, até que se diluam
as fronteiras enganosas entre o erótico e o místico.
O Desejado é o verdadeiro Deus,
a quem anseia se entregar,
como um dia se entregou ao chamamento do amado.
(Porque vives de mim, Sem Nome[v].)
No húmus do universo criado, toma coragem
e manifesta, patente ou latente,
sua verdade maior: [como fez o grego Kavafis]
rompe a ligação entre Deus e o homem
ao roubar a origem divina do ser humano.
(Como se eu mesma/ flutuasse cativa, ofélica, /
sobre Tua Grande Face
[vi].)
Pelo vazio cavado com essa ruptura, a mulher
entrega-se a uma nova e insólita experiência:
Deus e homem descobertos como aspectos
da mesma coisa.
O Novo Sagrado — poderoso, temido,
desejado, atraente como
um abismo, porém
colocado sob seu olhar, entre suas mãos.
(vives em mim, Sem Nome / Porque sei de ti
a tua forma/ tua noite de ferrugem
[vii].)


[i] Cântico dos Cânticos, 8, 6.
[ii] Hilda Hilst, Júbilo, memória, noviciado da paixão, 1974.
[iii] Idem, Do amor, 1999.
[iv] Idem, Poemas XXIX, XXX, 1980.
[v] Idem, Sobre tua grande face, 1986.
[vi] Idem.
[vii] Hilda Hilst, Sobre tua grande face, 1986.

[Denise, extraído do seu "Escrito com o Livro de Jó", 2007, III - VI]

Resíduos VII Federico e eu

Não posso me dar ao desbunde (para usar um termo "fabianístico") de citar quaisquer trechos do poeta viajão. A leitura parece promover mais viagens do que as próprias feitas pelo autor. Em mim, provocou o inconsciente, que se manifestou em sonho e fome: sempre, ao recorrer ao Poeta en Nueva York, (que só li na lingua "madre"), corria à cozinha e me empanturrava, vorazmente. Certamente, se estivesse de corpo presente na reunião da casa do Theo, que cozinha muito bem obrigado!, teria causado certo prejuízo, como de costume.
Como disse essa semana o nosso gentil e pensante ministro da cultura, Juca Ferreira, "a arte alimenta o espírito". O estômago ficou aliado ao espírito e pediu alimento da maneira que lhe cabe (e na proporção também) para viajar com Federico, o marido de Dalí. A escrita desse homem triste e viajado deixou-me inicialmente "boiando" entre palavras e combinações bem-feitas de versos naquele lindo idioma. Mais do que o que ele estava relatando, ou divagando em sua poesia, ó poeta, dirijo-me diretamente a outras possibilidades suas de escrita. Qual era a cor do seu papel? A sua caneta (ou pena!!!) foi produzida em Cuba? O estômago desse homem hispânico estava cheio ao passear a ponta da caneta (ou pena!!!) pelo papel? Vejo um papel roxo claro, uma caneta minuciosamente polida (sim, barroco!) e uma marca qualquer escrita em... español!! Por supuesto, no?
Ao ler os primeiros poemas de Federico, dormi, após comer. Sonhei com uma aula de estágio que fiz na 3ª ou 4ª fase de cênicas, na UDESC. Nela, estavam todos os meus amigos e colegas que passaram pelo curso, deixando-o cedo ou tarde. Aquela aula, que meu sonho proporcionou reviver, reunia todos aqueles que um dia passaram pela mínima experiência de cursar teatro na faculdade. Federico também passou pela experiência de escrever em español em terras americanas do norte. Possivelmente, com uma caneta barroca em papel roxo. O sonho me acalentou e demorou alguns dias pra eu concluir, ou esboçar: foi porque eu li Federico.
Corri ao guarda-roupa, onde guardo roupas e uma obra do sugestionável Federico chamada "Assim que se passarem 5 anos", texto teatral que ele intitula ser "um devaneio sobre como vejo o tempo passar e a natureza se transformar". Como aquelas palavras se parecem com os poemas do Central Park! Li novamente toda a peça. Divaguei possibilidades de encenação - como não fazer isso?! - comi e voltei à Nueva York com Federico. E aí... vi tanto Tadeusz Kantor, que também dança sua(s) morte(s), bem como vi todas as suas mulheres sofridas e derrotadas pela terra e pelo acontecimentos de uma espanha forte, masculina(o), pontiaguda, em meio à guerra e ao cuidado com o futuro. Mas tudo que não consigo ver é o futuro em quaisquer versos de Federico. Sabe-se de agora e de antes. Até mesmo do já! Depois, futuro, lá na frente... nada disso me aparece nele. Espera-se a morte para o próximo verso e ela não vem. Espera-se um filho para pobre Yerma do deserto e ele não vem. Segura-se o filho da pobre mãe de sangue e ele se vai pelo corte da navalha dos Félix. E Alba trancafia seu luto por sete anos sem abrir portas e janelas. A trilogia espanhola da dor é a coletânea do suspense poético americano de Federico. O que Dalí acharia desse surrealismo literário?
Não li nada relacionado ao momento da escrita de Federico. A obra me caiu deliciosa por sí. Eu, que sou um amante dos "making off" e das trajetórias artísticas fiz essa opção. Foi como quando li "Escrita com o livro de Jó", tese da dona Denise. O apêndice onde ela relata seu percurso de escrita apareceu-me como um pedido do orientador e não parte da obra, pois a obra já diz (e como diz!) e contempla toda possibilidade imaginativa do "como", "onde", "por que", etc... Fiquei receoso de encontrar em algum momento informações sobre a cor do papel e da caneta.
[em mensagem do Fabiano, lá de Campinas]

Resíduos VI 1a epistola aos interditos - alvejaram Lorca

.
Quiero llorar porque me da la gana
como lloran los niños del último banco,
porque yo no soy un hombre, ni un poeta, ni una hoja,
pero sí un pulso herido que sonda las cosas del otro lado.
Federico García Lorca

cariño,

sinto o gosto de cada um dos estilhaços
marcarem de púrpura meu rosto.
o impacto é súbito e os cortes simultâneos,
mas sinto o gosto de cada centelha sua
neste milésimo que agora conto e canto.

estou no campo e as cercas nos fazem rebanho.
eu não fui julgado,
os fuzis não me são estranhos,
respiro uma estrela na lapela.

estou em frente à imagem sua,
forjada do calor dos fornos e terra cinza,
enquanto se sustenta na ameaça de disparo,
embebida em carne nua,
a marreta trêmula que o golpe avista.

o impacto da marreta me enrubesce a face
e não é beijo o que sinto.
falta-me corpo, já não existo,
a lei dos campos dilacerou a imagem.

ps.: hoy recibí en el mar una carta de amigos.

(oberdan piantino - carta escrita após leitura de "poema doble del lago edem", de Federico García Lorca, durante encontro sobre o livro "poeta en nueva york", na reunião de março de 2009. também, carta-dedobramento publicada em os escritores invisíveis. imagem de Lorca, "san sebastián", 1927).

terça-feira, 24 de março de 2009

Federico García Lorca



Federico García Lorca nasceu em 5 de junho de 1898, no povoado andaluz de Fuente Vaqueros, Granada. Seu pai, Federico García Rodrigues, tinha plantações de fumo e beterraba, e sua mãe, Vicenta Lorca Romero, foi professora da escola local. Aos 11 anos, Lorca mudou-se com sua família para a cidade de Granada, mas voltaria sempre ao campo, para passar os verões, onde escreveu boa parte de sua obra.
Lorca pensou o mundo de uma forma única, e traduziu estes pensamentos em música, literatura, teatro, desenho e pintura.
Morreu aos 38 anos fuzilado pelos soldados de Franco durante a Guerra Civil Espanhola, na madrugada de 19 de agosto de 1936, em um local bem próximo de Fuente Vaqueros.
(http://www.garcia-lorca.org/)


O poema Grito Hacia Roma faz parte do livro Poeta em Nueva York, publicado pela primeira vez em 1940 no México e nos Estados Unidos. O livro foi escrito entre os anos de 1929 e 1930 quando Federico viveu na cidade de Nova Iorque, como estudante de inglês na Universidade de Columbia.


GRITO HACIA ROMA
A mi editor Armando Guibert.

(DESDE LA TORRE DEL CRYSLER BUILDING)

Manzanas levemente heridas
por finos espadines de plata,
nubes rasgadas por una mano de coral
que lleva en el dorso una almendra de fuego,
peces de arsénico como tiburones,
tiburones como gotas de llanto para cegar una multitud,
rosas que hieren
y agujas instaladas en los caños de la sangre,
mundos enemigos y amores cubiertos de gusanos
caerán sobre ti. Caerán sobre la gran cúpula
que untan de aceite las lenguas militares
donde un hombre se orina en una deslumbrante paloma
y escupa carbón machacado
rodeado de miles de campanillas.
[Encontro Março 2009 coordenação: Theo]
Porque ya no hay quien reparta el pan ni el vino
ni quien cultive hierbas en la boca del muerto,
ni quien abra los linos del reposo,
ni quien llore por las heridas de los elefantes.
No hay más que un millón de herreros
forjando cadenas para los niños que han de venir.
No hay más que un millón de carpinteros
que hacen ataúdes sin cruz.
No hay más que un gentío de lamentos
que se abren las ropas en espera de la bala.
El hombre que desprecia la paloma debía hablar,
debía gritar desnudo entre las columnas,
y ponerse una inyección para adquirir la lepra
y llorar un llanto tan terrible
que disolviera sus anillos y sus teléfonos de diamante.
Pero el hombre vestido de blanco
ignora el misterio de la espiga,
ignora el gemido de la parturienta,
ignora que Cristo puede dar agua todavía,
ignora que la moneda quema el beso de prodigio
y da la sangre del cordero al pico idiota del faisán.

Los maestros enseñan a los niños
una luz maravillosa que viene del monte;
pero lo que llega es una reunión de cloacas
donde gritan las oscuras ninfas del cólera.
Los maestros señalan con devoción las enormes cúpulas sahumadas;
pero debajo de las estatuas no hay amor,
no hay amor bajo los ojos de cristal definitivo.
El amor está en las carnes desgarradas por la sed,
en la choza diminuta que lucha con la inundación;
el amor está en los fosos donde luchan las sierpes del hambre,
en el triste mar que mece los cadáveres de las gaviotas
y en el oscurísimo beso punzante debajo de las almohadas.
Pero a viejo de las manos traslúcidas
dirá: Amor, amor, amor,
aclamado por millones de moribundos;
dirá: amor, amor, amor,
entre el tisú estremecido de ternura;
dirá: paz, paz, paz,
entre el tirite de cuchillos y melones de dinamita;
dirá: amor, amor, amor,
hasta que se le pongan de plata los labios.

Mientras tanto, mientras tanto ¡ay! mientras tanto,
los negros que sacan las escupideras,
los muchachos que tiemblan balo el terror pálido de los directores,
las mujeres ahogadas en aceites minerales,
la muchedumbre de martillo, de violín o de nube,
ha de gritar aunque le estrellen los sesos en el muro,
ha de gritar frente a las cúpulas,
ha de gritar loca de fuego,
ha de gritar loca de nieve,
ha de gritar con la cabeza llena de excremento,
ha de gritar como todas las noches juntas,
ha de gritar con voz tan desgarrada
hasta que las ciudades tiemblen como niñas
y rompan las prisiones del aceite y la música,
porque queremos el pan nuestro de cada día,
flor de aliso y perenne ternura desgranada,
porque queremos que se cumpla la voluntad de la Tierra
que da sus frutos para todos.
[Encontro Março 2009 coordenação: Theo]

domingo, 22 de março de 2009